“NOITES BRANCAS”
Chão Concreto
12 a 30 de Maio - Quarta a Domingo 21h45m
texto: Fiódor Dostoiévski
tradução: Filipe Guerra e Nina Guerra
dramaturgia: Rodrigo Santos
encenação: Rodrigo Santos
interpretação: Ivo Bastos e Nuno Preto
desenho de luz: Pedro Vieira de Carvalho
cenografia: Ricardo Preto
figurinos: Catarina Marques
sonoplastia: Rodrigo Santos
design gráfico: Mónica Santos
produção: Marta Lima
O conto
Um homem vagueia, sozinho, por S.Petersburgo - a cidade em peso, essa, vagueia pelos verões do campo. Uma mulher espera, sozinha, apoiada no parapeito do canal. Um oportunista, cambaleante e pouco respeitável, ensaia uma abordagem agreste e atrevida à menina do chapéu amarelo. O primeiro, o nosso sonhador, salta de rompante para o outro lado da rua - qual herói improvisado! – e afugenta a ameaça. Os ânimos acalmam. A donzela respira fundo. As mãos apertam-se. É então que ele se apercebe: uma mulher. Conheceu finalmente uma mulher! Depois disso vão encontrar-se ali mais quatro noites. Ela porque espera. Ele porque alimenta a sua espera. O amor há-de chegar de manhã. Quando a noite branca acabar. Quando a realidade tornar tudo estranho outra vez.“Noites Brancas” é um dos maiores romances da literatura mundial. Uma incursão atípica e genial de Fiódor Dostoiévski pela estética do Romantismo.
O espectáculo
A premissa central de uma adaptação da obra russa tem, como incontornável primeiro, o romance de amor entre o personagem anónimo – o Sonhador – e Nástenka. A história de amor assume-se como motor operativo - em discurso directo, dialogante - para um tratamento dramaturgico do enredo. Não obstante, esta evidência não ofusca aquela que será a pedra basilar para a construção deste espectáculo: a solidão e o diálogo interior doSonhadordostoiévskiano.Partindo de dois actores, a proposta é fazer uma incursão ao mesmo texto - respeitando a estrutura literária e formal - mas operando uma subversão dramaturgica subtil, no sentido de perpetuar o ponto de partida comum ao universo de dostoievski: o monólogo. Ambos contam a história, que é a sua, porque ambos são o mesmo Sonhador. O espectro do sonho é ampliado e o discurso ganha uma vida diferente, ainda mais próxima da memória afectiva, ao passar para o plano indirecto. O Sonhador entra e sai da sua própria história; encena-a; relata-a; confirma-a. O uso de dois actores potencia o jogo cénico e vai permitir uma abordagem essencialista e objectiva, procurando sempre o âmago das palavras e das emoções. O uso de dois actores homens tem como vantagem dramaturgica impossibilitar a concretização da imagem feminina, perfeita, sonhada e sempre idealizada. O resultado é um ensaio sobre a solidão, numa espécie de solilóquio dialogante.
O Chão Concreto
Chão Concreto é um projecto teatral sem forma de companhia.
Às tantas horas do dia x, fulano estava há um par de horas apático. Cicrano falava, gracejava, pensava, observava e, depois de muito formalizar, bocejava fórmulas antigas para um placebo eficaz. Como quem pinta um quadro. Iam já no 30º dia. Cicrano convicto da cura fácil e fulano descalço, numa caixa preta sem janelas. Isto mais um dia. E outro. E assim mais outro.Ao dia 34, fulano decidiu calçar as botas e sair um pouco. Cá fora estavam todos de boa saúde! Surpreendentemente, fulano percebeu que todos respiravam bem e corriam grandes distâncias transpirando saúde e coisas normais... “Para quê então o xarope?!”, pensou. Excitado com a descoberta, tornou meia volta na direcção da caixa negra e entrou de rompante no escuro, rasgando o silêncio e o cheiro barato a tabaco de artista:Queria contar tudo o que vira! Queria dizer que lá fora todos gritavam e falavam de coisas normais! Queria dizer que cuspiam saúde a jorros e que era um erro pensá-los enfermos! Queria dizer que não se trata de curar, mas de conversar! Queria pedir que os deixassem ficar acordados em vez de lhes fecharem os olhos à força com luzes e muitas cores!...Queria falar como os outros mas estava a dormir no 1º acto. Chão Concreto é um novo projecto teatral da cidade do Porto. Parte de uma vontade de Rodrigo Santos – de encetar um trabalho de pesquisa teatral continuado e que se deseja constante – e de muita boa vontade de alguns amigos e bons artistas, para a concretização deste primeiro espectáculo. Projecto não financiado, pretende assumir-se como mais uma força viva da prática teatral da cidade. Não tem outra razão de ser que não seja a vontade de ver mais gente sentada numa sala de espectáculos: pretende comunicar e ser comercial para não depender de terceiros.
foto: Pedro Carvalho